Depois do episódio dos dois pneus furados no mesmo dia, fiquei um pouco receosa de falar dos meus vizinhos. Mas com a hipótese de sabotagem afastada (parece que o ventil de um estava solto, e o outro furou mesmo), me sinto à vontade novamente.
A velhinha da frente está sempre cercada de gente. Se não são os netos que vêm almoçar, é a irmã quase igual que às vezes abre a porta, ou são conversas por telefone. E ela adora falar. E ela fala alto, como convém às velhinhas. E quando é por telefone, é ainda mais alto.
Estava na cozinha esses dias quando ouvi ares de uma conversa inflamada vinda do apartamento da frente. Mil hipóteses. São herdeiros que exploram a velhinha, querem levá-la a um asilo, ela se defende, esperneia, esbraveja - e fala cada vez mais alto no telefone. Sinto vontade de saber o que se passa, quem sabe ela precise de ajuda e eu tenho não só um, mas dois primos advogados.
Finjo estender roupa enquanto a conversa fica cada vez mais agressiva. Agora são berros, mas não consigo distingüir nada. Boto a cabeça pra fora e finalmente ouço.
- "E assim o feijão fica com caldo bem grossinho!"
Juro. E ainda teve gente que me mandou pedir receita pra vizinha. Eu, hein.
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